16 de abril de 2014
Era uma manhã fria em
Large Field. Poucos estudantes tiveram coragem de deixar suas camas
aconchegantes para irem ao colégio.
São Marcos era um prédio de quatro andares com
uma quadra grande de basquete, um campo de futebol e um salão de natação. Os
jardins eram bem cuidados, os pátios e corredores amplos. Mas, apesar de seu
tamanho, estava longe de ser o colégio perfeito.
O quarto andar estava em reforma desde o ano
passado. As carteiras estavam rabiscadas com palavrões e desenhos obscenos. Os
muros foram pichados e vez ou outra sumiam computadores ou coisas do
laboratório. Sem contar as brigas que aconteciam durante o intervalo ou em
campo. Sem dúvida, São Marcos era o inferno.
Enquanto o professor
Armando enchia a lousa de exercícios, Christopher olhou para o lugar vazio de
Alexander e suspirou. Já fazia duas semanas que seu amigo estava cabulando
aulas. O pior era que ele ia ao colégio e em vez de estudar, preferia arranjar
confusão, provocando os outros alunos.
Christopher sabia que
se Alexander continuasse agindo como um idiota, reprovaria outra vez e o que
ele menos queria era que seu único amigo – o único que não o achava esquisito
-, reprovasse. Já era ruim o bastante não ter com quem formar dupla no
laboratório, então, imagine passar o ano seguinte sozinho… Sem ninguém com quem
conversar? Ele já estava pensando em deixar o colégio e voltar a estudar em
casa.
— Ei, está pensando no
quê? — Lorena perguntou.
Ele virou-se encarando
a albina, de belos olhos castanhos. Então, deu de ombros.
— Aposto que ele está
assim por causa do ruivo. — Disse um garoto de cabelo castanho escuro, que
estava sentado atrás de Lorena. Ele usava uma camiseta rosa, uma calça jeans
justa e um all-star preto. Suas unhas estavam pintadas de preto e ele usava uma
sombra rosa nos olhos e um pouco de brilho nos lábios. Seu nome era Jake e ele
era o melhor amigo de Lorena.
Lorena riu, baixinho,
concordando com Jake. Christopher revirou os olhos, irritado com os dois.
Que ideia… Ele não era
gay! Só se preocupava com um amigo. Como alguém podia ver malicia nisso? Jake
achava que todo mundo era igual a ele!
Christopher virou-se
para frente e começou a copiar o que estava na lousa em seu caderno.
Lorena se inclinou para
se aproximar de Christopher. Jake se abaixou e com um sorriso malicioso olhou a
calcinha dela.
— Você vai à festa da
Iris, essa noite? — Lorena sussurrou no ouvido dele o deixando arrepiado.
Christopher tinha uma
queda por Lorena, mas nunca admitiu por ela ser namorada de seu irmão Adam. No
entanto, Christopher suspeitava que Lorena sabia pela forma como se insinuava
para ele, sempre o provocando.
— Ainda não sei. —
Christopher foi grosso sem querer.
— Ai! — Lorena fez um
bico.
Jake se endireitou e
olhou para o lado para ver se alguém vira o que ele acabara de fazer. Seus
olhos encontraram os de Harriet, que como sempre, o encarava de forma
obsessiva. Seria assustador se Jake não gostasse de ver a garota morrendo de
amor por ele. Só para provocá-la, piscou para ela, fazendo-a sorrir para ele.
Christopher sentiu o
celular vibrar em seu bolso e o pegou. Acabara de receber uma mensagem de
Alexander. Curioso, ele abriu a mensagem e leu-a:
“Te espero no porão.
Enviado por Alex”.
O que podia ser tão
importante para Alexander chamá-lo no meio da aula?
— Ah, olha só isso! —
Falou Lorena rindo ao ver a mensagem que Christopher recebeu.
— O quê? — Perguntou
Jake curioso.
— O que está
acontecendo? — O professor se virou, irritado com a interrupção. — Por que
tantos risos e sussurros? Jake? Lorena?
— O quê? Não fiz nada,
professor. Juro! — Falou Jake com ar de quem aprontou algo.
— Sei… É o santinho da
classe. — Falou o professor com sarcasmo.
Lorena se endireitou
rapidamente e começou a escrever, na esperança de que o professor a ignorasse.
— Santinha! — Jake
corrigiu o professor, arrancando alguns risos da classe.
— Que seja! — O
professor ajeitou seus óculos e engrossou a voz como quando queria mostrar que
estava falando sério. — Ou se comporta ou o mando para a detenção! — O
professor virou-se e voltou a copiar a lição na lousa, esquecendo-se de dar uma
bronca em Lorena.
Lorena sorriu. Mais uma
vez, seu truque deu certo.
— Com licença,
professor? — Christopher levantou-se e esperou que o professor lhe desse
atenção.
O professor virou-se e
encarou Christopher. Ele era um de seus alunos preferidos, por isso, ele dava
atenção especial a ele.
— Sim, Christopher? —
Disse o professor.
— Será que posso ir ao
banheiro? — Christopher não se sentia bem mentindo para alguém tão legal quanto
Armando, mas não tinha outra opção senão aquela.
— Ok. Não demore? —
Falou o professor.
— Sim. Obrigado,
senhor. — Disse Christopher antes de deixar a sala.
† † †
Lá estava ele, parado
na escadaria que levava ao porão. Sua jaqueta jeans estava amarrada de qualquer
jeito a sua cintura. Os cadarços de seu all-star encardido estavam
desamarrados. Sua camisa do Slipknot estava rasgada na altura do ombro. Seu
cabelo naturalmente ruivo estava desgrenhado. Ele fedia a cerveja e cigarro.
— Você veio! — O ruivo
sorriu ao ver Christopher se aproximando.
— Tomar um banho de vez
em quando é bom, sabia? — Falou Christopher.
— Eu tomaria se tivesse
um banheiro. — Falou Alexander chateado.
— Ah, na sua casa não
tem um, né?! — Falou Christopher balançando a cabeça.
— Não estou mais em
casa! Discuti com meu pai e com minha madrasta e fugi. — Disse Alexander.
— Como assim, fugiu?
Para onde? — Disse Christopher.
— Ah! — Alexander
suspirou e cruzou os braços, fazendo cara feia. — Estou ficando em uma
construção abandonada, sabe? De boa… Tenho alguns trocados. Vou sobreviver. E
de mais a menos, eu como no colégio.
— Meu deus! O que você
tem na cabeça? Não pode viver assim! — Falou Christopher.
— Eu não posso é viver
com aquela estúpida que o meu pai arranjou para substituir a minha mãe. — Falou
Alexander revoltado.
— Por que não vai
embora com seus avós? — Sugeriu Christopher.
— Eles não me querem!
Minha mãe não me quer! Ninguém me quer! Aposto que se eu morresse agora,
ninguém sentiria minha falta. — Alexander chorou, nervoso.
— Sua mãe não pode
cuidar nem dela mesma! Coitada! — Falou Christopher.
E era verdade. A mãe de
Alexander vivia em um hospital psiquiátrico desde que ele tinha oito anos de
idade. Era uma mulher bondosa, mas muito doente.
— Ele é um infeliz! —
Falou Alexander. — Não podia tê-la abandonado. Ele deveria cuidá-la e amá-la
para sempre. Desgraçado! Odeio mais ainda aquela vadia que ele botou no lugar
da minha mãe.
— Alex? Tente entender…
A sua mãe é uma mulher doente. O seu pai tinha o direito de refazer a vida
dele. Além do mais, já faz anos que ele está com a Eva. Já era para você ter
superado. — Falou Christopher.
— Superado? — Repetiu
Alexander apagando seu cigarro. — Cara? A Eva faz o que pode para me tirar do
sério. Não aguento mais!
— E as suas irmãs?
Pense nelas? Elas devem estar preocupadas com você. — Mas então Christopher se
lembrou que Iris daria uma festa aquela noite.
Alexander abaixou a
cabeça, aborrecido.
— A Brittany, sim. Mas
a Iris… E olha que a Brittany nem é minha irmã e se importa mais comigo que a
Iris.
— Se quiser, pode ficar
na minha casa. — Disse Christopher. — Não acho que Adam se importe.— Valeu
cara, mas não quero incomodar. — Disse Alexander.
— Você nunca incomoda.
— Christopher ouviu o sinal tocar. — Eu tenho de ir. Nos vemos depois?
— Tudo bem? — Disse
Alexander estendendo o braço com o punho cerrado.
— Tudo bem. —
Christopher tocou no punho dele e se foi apressado.
Havia algo que há muito
tempo atormentava a alma de Christopher e que ele gostaria de compartilhar com
seu melhor amigo… Um segredo que poderia dar um novo sentido a vida dele, mas
Christopher tinha medo de se expor.
Em um mundo onde
pessoas diferentes eram tão odiadas, ele não seria melhor que o branco ou o
negro, o índio ou o gay. Seria igualmente, desprezado. E, pior, temido! E isso
era o que ele menos queria. Ser humano era mais complicado do que parecia.
Alexander se deitou em
um dos bancos do pátio, pensando em como as coisas seriam diferentes se sua mãe
fosse normal.
“Você sempre foi e
sempre será um fracassado, Alex”, a voz de sua madrasta ecoava em sua cabeça.
Ele não era um
garotinho mimado que odiava a madrasta sem motivos. Não! Motivos para odiá-la,
ele tinha de sobra. Ela sempre foi boazinha com Iris – por algum motivo que ele
jamais compreendeu – e perversa com ele.
Iris sempre se vendeu
por uma Barbie ou um doce, e nunca confirmou as histórias de um garotinho
assustado… Só Brittany ficou do lado dele, mesmo que nem sempre fosse corajosa
o bastante para enfrentar a própria mãe.
Ah, Brittany! Alexander
sentia tanta falta dela! Será que ela também sentia falta dele?
O celular de Alexander
tocou e ele encarou a tela por um tempo, em transe, antes de abrir a mensagem
enviada por Christopher:
“Te espero no porão”.
Só isso? “Te espero no
porão”? Alexander arqueou uma sobrancelha. Christopher era legal, mas, às
vezes, agia de forma estranha.
Alexander foi até o
porão, usando a luz de seu celular para iluminar o caminho.
— Chris, cadê você?
Ele ouviu um objeto
tilintar no escuro.
— Aí, velho… Na boa…
Não tô com saco para isso. Deixe de gracinha e apareça logo. — Disse Alexander.
A porta se fechou com
uma batida.
Alexander revirou os
olhos e foi até a porta e girou a maçaneta. A porta estava trancada.
— Abre essa droga? Isso
não tem graça! — Alexander bateu à porta com força.
Alguém soprou no ouvido
de Alexander. Assustado, ele virou-se, mas não viu ninguém.
— Quem está aí? —
Alexander forçou a maçaneta, tentando sair daquele lugar.
Dois braços fortes e
gelados agarraram Alexander. Ele lutou, mas percebeu que não podia medir forças
com quem quer que fosse aquela pessoa porque era mais forte que ele.
Facilmente, aquela coisa o imobilizou.
— Quem é você? —
Alexander perguntou, mas não ouviu uma resposta. Em vez disso, sentiu duas
presas afiadas perfurarem seu pescoço.
Todo o seu sangue foi
drenado em menos de dois minutos e ele sentiu a vida se esvaindo de seu corpo
rapidamente. Ele viu um garotinho assustado sentado no colo de uma mulher perturbada…
Viu Iris o encarando com um misto de pena e desprezo… Viu Christopher sorrindo,
embora parecesse triste… Viu Brittany, tão linda como sempre, o encarando,
inexpressiva. E depois, ele foi jogado no chão e tudo ficou escuro.
Escuro…Escuro…
Frio…Frio…
Alexander nunca pensou
que morrer fosse assim…
Sempre imaginou que
iria direto para o céu ou para o inferno, mas ficou ali mesmo, onde morreu.
Encarou meu corpo morto diante de si, apavorado. Aquilo estava mesmo
acontecendo? Não era um pesadelo?
Quando a porta se
abriu, o representante da turma passou por ela. Ele estava com uma lanterna na
mão e quando viu o corpo no chão se espantou. Engraçado… Alexander sempre
imaginou que Henry Dornelles ficaria feliz em o ver morto.
Logo, o porão foi
tomado por curiosos e policiais.
Alexander continuou
agachado no canto, ainda tentando absorver a informação, quando viu Brittany e
Christopher tentando chegar até seu corpo, mas serem impedidos pelos policiais.
— Alex não pode estar
morto! — Gritou Brittany.
— Não. Meu deus! Não! —
Repetia Christopher.
Alexander se levantou e
se aproximou deles. Tocou no ombro de Christopher.
— Estou aqui. — Ele
disse, mas o amigo não o ouviu.
Tocou a face de
Brittany, mas ela não sentiu. Recuou e encarou os dois.
— Estou aqui! — Gritou,
mas eles não o ouviram.
Brittany abraçou
Christopher.
Alexander se afastou,
se ocultando nas sombras.
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